20.4.06

Paraíso Ameaçado


Prefeito Marcelo Machado pretende transformar zona rural de Sapucaia do Sul, a mais bela da grande Porto Alegre, São Leopoldo, Novo Hamburgo e região do Vale do Sinos, em um grande lixão, inclusive para resíduos industriais. Porquê?

Transcrição do pronunciamento do Sargento Frederico, do 2º Pelotão - 1º Batalhão Ambiental da Brigada Militar, na assembléia da Associação Rural de Sapucaia do Sul, ocorrida no dia 19 de abril, na sede da Fazenda dos Prazeres, convocada para debater sobre a aquisição de uma área rural efetivada pela empresa Multtiserviços, de armazenamento de lixo doméstico e industrial, com o provável objetivo de fazer um aterro sanitário industrial. O 2º Pelotão Ambiental, com sede em Sapucaia do Sul atende a mais de 20 municípios, na região metropolitana de Porto Alegre e Vale do Sinos.

Sargento Frederico: Agradeço aos presentes o convite que nos fizeram para comparecermos aqui.

A orientação técnica que posso dar é a de que quando seja dado início a obras e/ou medições com vista às obras, vocês entrem com uma ação cível pública junto ao Ministério Público, para que este solicite a documentação hábil e, caso não seja apresentada, possa embargar as obras. Sugiro também que vocês entrem em contato com a FEPAM.

Temos noção de outros aterros industriais que tem por ai, por exemplo o de Estância Velha. A gente chama aquilo de bomba atômica para o futuro. Não sei se algum de vocês já foi visitar algum lixão de resíduo industrial, mas se os senhores entrarem lá, em 4 horas estarão com dor de cabeça. Eu, quando vou lá para fiscalizar, em 4 horas estou com dor de cabeça, imaginem quem mora perto. Tem o risco de incêndio tóxico - gera incêndios espontâneos por dois, três dias seguidos, lançando no ar a contaminação, para as pessoas e a natureza em geral.

Está certa a associação em reunir-se, debater e resistir, chamando os órgãos públicos, a promotoria, para que isto que querem fazer aqui não aconteça - o município de Sapucaia ceder área para outros municípios, para tornar-se aqui o centro tóxico dos lixões da região. Acho que cada município ter o seu local de destino do lixo minora o impacto ambiental, em vez de trazer o lixo de vários locais e contaminar todo um município.
[...]
O ideal seria que nós, digo nós porque eu também sou morador de Sapucaia. Morei dezesseis anos em Esteio, morei também em São Leopoldo, meus parentes moram no Vale do Sinos e eu acho que Sapucaia é o melhor lugar para se morar, quem é aqui de Sapucaia sabe. Poderiam me dar uma mansão para morar em Estância Velha ou Portão, que são cidades da minha área de jurisdição, que eu não quero. Eu fiscalizo aquela região e sei - quando a gente entra lá sente aquele fedorão, aquele mau cheiro de produto químico, devido ao grande número de cortumes que tem lá. Então, se deixarmos entrar esse tipo de lixão aqui, então não adianta conservarmos o horto florestal, o zoológico, porque isto contamina mesmo. Eu sei do que estou falando.

Outro problema que temos aqui no Rio Grande do Sul é o plantio dos transgênicos. Isto está terminando conosco. Na região de Três Passos, onde eu me criei, é plantada a soja transgênica, lá se a gente quiser pescar no rio Uruguai, tem que levar minhoca de outro lugar, porque lá não existe mais, o veneno matou tudo, não se encontra mais formiga, não se encontra mais nada. Frutíferas, qualquer tipo de fruta, moreu tudo, a única que sobrevive é o mamão - chuchu, laranja, abacaxi, eram abundantes e não tem mais nada. Sangas onde a gente ia com caniço e pegava peixes deste tamanho, em alguns minutos enchia o balde, hoje não se acha um lambari, morreu tudo. Pois os produtores vão até lavar o trator dentro da sanga! Vocês imaginem quantos microorganismos tem num hectare de terra, quanta mata ciliar em beira de arroio, aí eles chegam ali e botam um tipo de veneno que mata tudo aquilo e nasce só milho e soja transgênica... Tem fundamento isto aí? Não tem fundamento.
[...]
Nós humanos temos que sobreviver, mas eu acho que a humanidade está destruindo o nosso planeta e logo, desta maneira, não haverá espaço, meios, para nós sobrevivermos. Para quem viu a natureza há trinta anos atrás, e acho que a maioria aqui tem idade para isto, está vendo que muito do que existia já não existe mais. Então se nós deixarmos que tragam o lixão para cá, estaremos deixando que terminem com a beleza, a natureza de Sapucaia. Que cada município cuide de seu lixo, e que nós não fiquemos só com o queimado do pão, fiquemos com a nossa fatia inteira - com o queimado do pão, mas também com o pão.

Estou aqui falando hoje como representante da Brigada Ambiental e como morador de Sapucaia. E como conhecedor do que é um lixão! porque a gente vai lá olhar - se vocês pudessem olhar o que é um lixão - aquele xorume, aquele fedorão, e o que é depositado ali dentro! vocês iam se apavorar, aquilo é uma bomba atômica para o futuro, é terrível de olhar. Imaginem morar perto. Muito obrigado pela atenção e convido a todos, sempre que queiram ou precisem, a ir até o Pelotão Ambiental. Estamos sempre à disposição, para uma orientação, uma solicitação. É uma satisfação para nós prestar este serviço.

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CURITIBA - Ituizaingó é um bairro humilde com cerca de 5 mil habitantes na periferia de Córdoba, na Argentina. Semelhante a tantos outros agrupamentos urbanos latino-americanos, a localidade se diferencia pela paisagem que a marca. O quintal das casas costuma dar de frente para grandes plantações de soja transgênica Round Up Ready, desenvolvida pela empresa de biotecnologia Monsanto, que circundam também outras vizinhanças.

A forma como as plantações de soja são cultivadas tem exposto a população local a uma pesada contaminação de agrotóxicos usados em larga escala para conter as novas pestes e doenças que a nova soja ajudou a desenvolver nos campos argentinos. Esses agrotóxicos estão sendo responsáveis pelo envenenamento e morte de centenas de pessoas.

Hoje o bairro de Ituizaingó soma mais de 300 casos de câncer, além de outras doenças de pele, respiratórias e sangüíneas como anemias hemolíticas, hodking linfáticos e tumores. A leucemia atacou 13 pessoas; oito delas ainda vivem doentes. Crianças e adolescentes da região são as principais vítimas do envenenamento de agrotóxicos.

No 3o Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3), em Curitiba (13 a 17), não é raro os relatos de pessoas de todo o mundo sobre os efeitos negativos que os organismos geneticamente modificados (OGMs) tem trazido para a agricultura, economia e, principalmente, para a sociedade.

O tema é controverso e pouco tratado pelos grandes veículos de comunicação, mas em eventos paralelos do MOP-3 essas histórias são formas de protestos contra o avanço indiscriminado dos transgênicos e seu modelo de produção. Elas voltarão a ser discutidas no Fórum Global da Sociedade Civil, promovido pelo Fórum Brasileiro das ONGs e dos Movimentos Sociais na semana da 8a Conferência das Partes da Convenção sobre Biodiversidade Biológica (COP-8), entre 20 a 31 março.

Ituizaingó é apenas mais uma dessas tristes histórias. Atualmente, a Argentina é o segundo maior país produtor de transgênicos do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. Cerca de 14 milhões de hectares são destinados ao plantio de soja geneticamente modificada. O país, juntamente com os EUA, é uma das nações não-signatárias do Protocolo de Cartagena, o qual estabelece normas de Biossegurança, inclusive para os OGMs.

Sofia Gatica é uma das moradoras de Ituizaingó, e com mais oito mulheres formou o Grupo de Mães de Córdoba, após detectar vários casos de doenças na região desde 2001. Ela se questionava, na época, por que tantas mulheres estavam usando lenços para esconder a queda de cabelos e por que as crianças usavam máscaras cirúrgicas. Gatica foi de casa em casa, anotando nomes de todos os doentes. Inicialmente, a lista contava 28 enfermos. O trabalho levou 4 meses para ser concluído e foi entregue ao Ministério da Saúde argentino para que um estudo de contaminação do solo, ar e água da vizinhança fosse feito.

Ao final de 2002, descobriu-se que tanques de água domiciliares estavam contaminados com agroquímicos e metais pesados como plomo, cromo e arsênico, altamente tóxicos para organismos vivos. O solo e o ar da região também continham, e ainda contêm, altas taxas de agentes químicos. Os problemas ambientais não são poucos. Hoje, há falta de água potável corrente para a comunidade. Análises constataram a presença de endosulfano, praguicida atualmente proibido, além de altos níveis de sulfato e carbonatos.

Segundo um estudo das organizações não governamentais britânicas EcoNexus e Fundação Gaia, a soja RoundUp Ready é uma variedade bastante similar à convencional. A diferença é que ela é resistente ao herbicida de glisofato, que é usado em grandes quantidades para conter pragas e ervas daninhas. Dessa forma, ainda que o fazendeiro use uma quantidade gigantesca de pesticida, sua plantação não será danificada, como poderia ocorrer antigamente com a soja não modificada. Por esse motivo, o uso indiscriminado do veneno aumentou, acarretando a contaminação do meio ambiente das redondezas de Ituizaingó e o envenenamento da população.

Além disso, o estudo mostra que esse tipo de soja introduziu uma nova forma de cultivo nos Estados Unidos. A terra deixou de ser profundamente lavrada. Ao invés disso, os fazendeiros incorporavam os resíduos da safra anterior a poucos centímetros do solo. Tudo isso para economizar tempo e dinheiro, já que o trabalho pode ser feito rapidamente por apenas um homem apenas com uma máquina especializada. Esse modelo foi copiado em outros países, como a Argentina.

O grande problema é que esse método agrícola fez com que pestes aparecessem e prosperassem nas plantações, além de outras doenças que surgiram nos resíduos da safra antiga. O fungo Phakopsora pachyrhizi, originalmente da Ásia, apareceu na Argentina, Brasil e Paraguai desde a chegada da soja da Monsanto. Além disso, ervas daninhas têm criado cada vez mais resistência ao glisofato. Por esse motivo, foi preciso pesticidas adicionais ao glisofato.

Apesar de a soja da Monsanto não ter sido desenvolvido para promover o uso desses agentes químicos, o modo de produção faz com que o uso de herbicidas aumente nas plantações de soja Roundup Ready.

A Syngenta, uma outra empresa de biotecnologia, é produtora de muitos químicos e fungicidas incorporados pelos fazendeiros no trato com a soja.

Gatica relata que, além disso, ainda há problemas de formação genética nas crianças que estão nascendo. “Estão nascendo crianças defeituosas, sem parte da boca e dos dedos e com problemas nos rins. As crianças têm agrotóxico no sangue”. São casos de má-formação múltipla que já levaram duas crianças à morte.

Os agricultores e o engenheiro agrônomo, responsável pela pulverização de agrotóxicos das plantações de soja, desconheciam que componentes do agente químico usado contra as pragas, como o glisofato e o endosulfano, entram no corpo humano e alteram o sistema hormonal.

As pulverizações são feitas por pequenos aviões ou por tratores, conhecidos como mosquitos. As duas formas espalham os pesticidas pelas plantações e também por cima das casas e das pessoas. Os tanques de água são contaminados, pois o governo entregou tanques sem tampas aos moradores. Antes da chegada de plantações de soja transgênica, Gatica lembra que não havia esses aviões e tratores e hoje as pulverizações são feitas com mais freqüência. “Ela é feita a cada quinze dias”.

“Há três semanas foi inaugurado um hospital na região, mas os moradores fizeram uma manifestação dizendo que eles não querem um hospital, mas sim, uma outra vizinhança”, conta Gatica ao explicar que as pessoas de Ituizaingó não suportam mais viver em um local tão contaminado. “O governo nega o problema”, lamenta.

PARAGUAI TAMBÉM
A pulverização em campos de soja também vitimou pessoas no Paraguai. Petrona Villasboa, membro da Coordenação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Via Campesina do Paraguai, perdeu seu filho de 11 anos, Silvino Talavera, devido ao envenenamento por agrotóxico.

Em 2 de janeiro de 2003, Silvino havia ido ao supermercado de bicicleta. Na volta para casa, um produtor alemão de soja dono de uma fazenda vizinha da região, onde Petrona e sua família vivem, estava pulverizando a produção com um trator tipo mosquito. O garoto chegou em casa, ensopado de herbicida, assim como a comida que ele havia trazido do supermercado.

Por desconhecer os efeitos potenciais e negativos do herbicida, a irmã de Silvino cozinhou o macarrão que ele havia trazido. O resultado foi a contaminação de toda a família que tem 11 crianças. Contudo, Silvino foi a vítima fatal por ter recebido uma dose mais alta do veneno.

Numa madrugada, ele reclamou de dores nos ossos. Ao chegar no hospital, o médico constatou que o menino estava todo envenenado e seu sangue, completamente coagulado. O médico disse que não havia como tratar o menino, pois não havia equipamento adequado para o caso. Petrona lembra que Silvino ficou todo paralisado e não podia mais andar.

Ainda assim o levaram em outro hospital, mas um outro médico disse a Petrona que o envenenamento de seu filho era tão forte que nada poderia ser feito para salvá-lo. Silvino morreu no caminho de volta para sua casa, a cinco metros do hospital.

Após a morte de Silvino, a comunidade local levou as crianças da região para fazerem exames de sangue. Foram constatados três tipos de agrotóxicos no sangue delas e, atualmente, ainda convivem com isso.
 
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